Nele Rodrigues relata sua vivência como vereador em Itaqui em uma época que o poder éra do Prefeito que fazia o que bem entendia.
Nda mudou de lá para cá. O poder hoje é do Presidente da República em função do poder econômico que lhe é delegado. Pode o Presidente, como ele mesmo disse ao aprovar a Lei contra os aposentados: "Para aprovar no Congresso só distribuindo verbas aos Deputados e Senadores".
O poder Municipal só se for amigo do Presidente.
Abaixo transcrevo trechos do livro:
CAPÍTULO I
O comício era um mar gigantesco e fogoso extravasando na garganta da mutidão informe:
- Di-narte! Di-narte! Di-narte! Di-narteli" Di-narte! Di-narte! Di-narte!...
- Atenção, companheiros!
- Di-narte! Di-narte! Di-narte! Di-narte! Di-narte! Di-narte! Di-narte!...
- Eu peço um momento de atenção, companheiros! A-ten-ção!
- Di-narte! Di-narte! Di-narte! Di-narte! Di-narte! Di-narte! Di-narte!...
Um mulato corpulento e jovem, de cabelos a escovinha e narinas dilatadas, arrebatou o microfone das mãos do locutor e berrou:
- Atenção, gentes! Se-lên-cio! Isso inté parece uma esculhambação!
Mas, o povo ondulando na praça enorme, não diminuía o louco entusiasmo:
- Di-narte! Di-narte! Di-narte! Di-narte! Di-narte! Di-narte!...
- Cachorrada dos diabos! - esbravejou o cel. Pedro Ferrão - Já não saí à rua para não ver nem ouvir essa corja. Assim mesmo os seus latidos vêm aos meus ouvidos. Des-gra-ça-dos !
- Paciência, Pedro, paciência! As urnas vão dizer quanto vale a palhaçada dêles - falou dona Edith, abraçando num olhar de profundo respeito a cara enrugada do marido.
- Que urnas coisa nenhuma, Edith! O povo é muito senvergonha e é bem capaz de dar a vitória a essa canalha.
- Não digas isso, homem. Nem parece que és um velho político. Ainda hoje à tarde dr. Ortigão e eu falávamos a respeito.
- Ortigão?.. O Ortigão é do contra.
- Mas, é teu amigo.
- E o que é que acha êle?
- Que a vitória é nossa. -
- Não te esqueças, minha velha, da última campanha eleitoral. Contrariando tudo quanto foi feito e demonstrado nos comícios, o General foi eleito presidente da República.
- Mas isso era esperado. - Esperado? .. Esperado de que jeito?.. De que forma? .. Não te lembras dos comícios do Aviador?.. Quem diria que fôsse êle perder as eleições? .. Verdadeiras consagrações alcançou em sua propaganda pelo Brasil afora.
- Mas... E o Baixinho?..
- O Baixinho?.. - O ceI. Pedro Ferrão olhou de sosláio o retrato do velho ditador, em fina moldura, numa parede, donde não fôra arreado em 1.945, porque, no íntimo, continuava dêle, e respondeu à espôsa, indicando a praça:
- O Baixinho está aí. E' isso que aí está nessa algazarra.
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CAPÍTULO II
A noite estava mansa depois do comício.
Pela janela aberta o luar derramava-se na sala de trabalho de Diogo Delgado e o doce perfume das rosas de todo-ano de seu maltratado jardim chegava-lhe às narinas dilatadas pela tensão nervosa, como um feiticeiro narcótico a afundá-lo, cada vez mais, naquele sonho misto de prazer e de dor. Lá de baixo, vinham-lhe, de quando em vez, os ruídos dos remos e dos caniços deitados à traqüilidade do caudaloso rio que corria próximo à sua residência.
Diogo Delgado chegou à janela. Seu cabelos castanhos, os restos duma basta e ondulada cabeleira consumida na quadra dos vinte anos, esvoaçaram à viração da madrugada.
A rua deserta, as calçadas mal iluminadas e sujas, às vezes davam fracos sinais de vida através de passos cautelosos e sutis. A longos intervalos, uma. centelha de luz brilhava no acanhado retângulo da porta aberta em meio dum secreto bordel.
Curioso em face das lendas que envolviam a vetusta cidade de Pedra Dágua, Delgado cuidou ver, à sombra dos beirais musguentos, esquálidas visões, embuçadas em lençóis brancos e informes, gingando com aterrorlzantes estalidos de ossamenta e impregnando o ambiente do esquisito cheiro de coisas de outro mundo.
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Naquela noite longa, em que Diogo Delgado experimentava um estado místico de tortura e de bem-estar, aquela mulher, que à praça, à luz mortiça da iluminação pública, o saudara à passagem, vibrava nêle como uma obsessão.
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CAPÌTULO III
Tilintou o telefone.
- Alô! Pronto! Aqui é Diogo Delgado. E aí.
No outro lado do fio, uma voz aguda e jovial respondeu:
- Aqui fala Xisto Queluz.
- Quem?
- Xisto Queluz, o guarda-livros da «Petit Maison».
- Ah, muito bem! Às suas ordens!
- Desejo que o Sr. marque uma hora para me receber, doutor.
- De que quer tratar?.. Se é de questão de direito, só posso atendê-lo à tarde.
- Não, doutor - gritou o guarda-livros entre risadinhas amáveis - Não é de questão de direito. E' de assunto muito diferente! E' de política!
- Ah, está bem! Em assim sendo, posso recebê-lo imediatamente. Venha, que o espero.
Diogo Delgado tinha os olhos vermelhos e a cabeça pesada da noite mal dormida. Deitara-se às 4 horas da madrugada e custara-lhe, talvez, mais de uma hora para libertar-se daquela idéia fixa sôbre a mulher loira, e poder dormir até às sete, quando a criada o despertara para o café.
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O comício era um mar gigantesco e fogoso extravasando na garganta da mutidão informe:
- Di-narte! Di-narte! Di-narte! Di-narteli" Di-narte! Di-narte! Di-narte!...
- Atenção, companheiros!
- Di-narte! Di-narte! Di-narte! Di-narte! Di-narte! Di-narte! Di-narte!...
- Eu peço um momento de atenção, companheiros! A-ten-ção!
- Di-narte! Di-narte! Di-narte! Di-narte! Di-narte! Di-narte! Di-narte!...
Um mulato corpulento e jovem, de cabelos a escovinha e narinas dilatadas, arrebatou o microfone das mãos do locutor e berrou:
- Atenção, gentes! Se-lên-cio! Isso inté parece uma esculhambação!
Mas, o povo ondulando na praça enorme, não diminuía o louco entusiasmo:
- Di-narte! Di-narte! Di-narte! Di-narte! Di-narte! Di-narte!...
- Cachorrada dos diabos! - esbravejou o cel. Pedro Ferrão - Já não saí à rua para não ver nem ouvir essa corja. Assim mesmo os seus latidos vêm aos meus ouvidos. Des-gra-ça-dos !
- Paciência, Pedro, paciência! As urnas vão dizer quanto vale a palhaçada dêles - falou dona Edith, abraçando num olhar de profundo respeito a cara enrugada do marido.
- Que urnas coisa nenhuma, Edith! O povo é muito senvergonha e é bem capaz de dar a vitória a essa canalha.
- Não digas isso, homem. Nem parece que és um velho político. Ainda hoje à tarde dr. Ortigão e eu falávamos a respeito.
- Ortigão?.. O Ortigão é do contra.
- Mas, é teu amigo.
- E o que é que acha êle?
- Que a vitória é nossa. -
- Não te esqueças, minha velha, da última campanha eleitoral. Contrariando tudo quanto foi feito e demonstrado nos comícios, o General foi eleito presidente da República.
- Mas isso era esperado. - Esperado? .. Esperado de que jeito?.. De que forma? .. Não te lembras dos comícios do Aviador?.. Quem diria que fôsse êle perder as eleições? .. Verdadeiras consagrações alcançou em sua propaganda pelo Brasil afora.
- Mas... E o Baixinho?..
- O Baixinho?.. - O ceI. Pedro Ferrão olhou de sosláio o retrato do velho ditador, em fina moldura, numa parede, donde não fôra arreado em 1.945, porque, no íntimo, continuava dêle, e respondeu à espôsa, indicando a praça:
- O Baixinho está aí. E' isso que aí está nessa algazarra.
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CAPÍTULO II
A noite estava mansa depois do comício.
Pela janela aberta o luar derramava-se na sala de trabalho de Diogo Delgado e o doce perfume das rosas de todo-ano de seu maltratado jardim chegava-lhe às narinas dilatadas pela tensão nervosa, como um feiticeiro narcótico a afundá-lo, cada vez mais, naquele sonho misto de prazer e de dor. Lá de baixo, vinham-lhe, de quando em vez, os ruídos dos remos e dos caniços deitados à traqüilidade do caudaloso rio que corria próximo à sua residência.
Diogo Delgado chegou à janela. Seu cabelos castanhos, os restos duma basta e ondulada cabeleira consumida na quadra dos vinte anos, esvoaçaram à viração da madrugada.
A rua deserta, as calçadas mal iluminadas e sujas, às vezes davam fracos sinais de vida através de passos cautelosos e sutis. A longos intervalos, uma. centelha de luz brilhava no acanhado retângulo da porta aberta em meio dum secreto bordel.
Curioso em face das lendas que envolviam a vetusta cidade de Pedra Dágua, Delgado cuidou ver, à sombra dos beirais musguentos, esquálidas visões, embuçadas em lençóis brancos e informes, gingando com aterrorlzantes estalidos de ossamenta e impregnando o ambiente do esquisito cheiro de coisas de outro mundo.
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Naquela noite longa, em que Diogo Delgado experimentava um estado místico de tortura e de bem-estar, aquela mulher, que à praça, à luz mortiça da iluminação pública, o saudara à passagem, vibrava nêle como uma obsessão.
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CAPÌTULO III
Tilintou o telefone.
- Alô! Pronto! Aqui é Diogo Delgado. E aí.
No outro lado do fio, uma voz aguda e jovial respondeu:
- Aqui fala Xisto Queluz.
- Quem?
- Xisto Queluz, o guarda-livros da «Petit Maison».
- Ah, muito bem! Às suas ordens!
- Desejo que o Sr. marque uma hora para me receber, doutor.
- De que quer tratar?.. Se é de questão de direito, só posso atendê-lo à tarde.
- Não, doutor - gritou o guarda-livros entre risadinhas amáveis - Não é de questão de direito. E' de assunto muito diferente! E' de política!
- Ah, está bem! Em assim sendo, posso recebê-lo imediatamente. Venha, que o espero.
Diogo Delgado tinha os olhos vermelhos e a cabeça pesada da noite mal dormida. Deitara-se às 4 horas da madrugada e custara-lhe, talvez, mais de uma hora para libertar-se daquela idéia fixa sôbre a mulher loira, e poder dormir até às sete, quando a criada o despertara para o café.
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